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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

JUDEUS PORTUGUESES NOS ESTADOS ITALIANOS

As entidades políticas da península itálica, com as suas prósperas cidades, constituiu, num primeiro momento, um local de passagem para os Judeus portugueses que, fugidos da Península Ibérica, se dirigiam para o Império turco em busca dumha maior liberdade religiosa onde podiam voltar ao judaismo sem medo a represálias.

Desde muito cedo, os estados italianos olharam para os cristãos-novos portugueses como um grupo que poderia contribuir ativamente para o fortalecimento e afirmaçom do seu poder, tanto do ponto de vista económico (ligado ao comércio) como do ponto de vista político. Assim sendo, a partir de meados do século XVI, os portugueses começaram a criar bases mais sólidas nas cidades italianas e integraram-se, paulatinamente, na sua vivência e nos seus poderes políticos. 
Estados italianos no século XV-XVI. Fonte: Wikipedia

As condições daqueles refugiados eram muito diferentes no norte e centro da península itálica a respeito dos territórios do sul, dependentes da católica Espanha.

Estados papais

O papa Alexandre VI (1494-1503) acolheu de braços abertos os refugiados cristãos-novos vindos de Portugal e dos reinos de Espanha. A presença dos cristãos-novos nos Estados Pontifícios tornou-se perceptível em Roma e, mormente, no porto de Ancona. Lá prosperaram sob as políticas benevolentes dos papas Clemente VII (1523-34 ) e Paulo III (1534-49). Os cristãos-novos mesmo receberam a garantia de que, se acusados de apostasia, estariam sujeitos apenas à autoridade papal.

Porém, na altura de meados do século XVI e na sequência da Contra-reforma, a igreja católica, nos seus esforços para preservar os católicos de toda possibilidade de contaminaçom religiosa, agiu com grande dureza contra os Judeus. 

O primeiro golpe veio em 1553, quando o papa Júlio III (1550-55) ordenou, sob a acusaçom de blasfémia contra o cristianismo, a confiscaçom e queima de todas as cópias do Talmud em toda a Itália. Mas Paulo IV (1555-59), porta-voz da Contra-Reforma, deu-lhes um golpe irreparável quando, com a sua bula pontifícia Cum nimis absurdum de 14 de julho de 1555, retirou toda a proteçom previamente dada e iniciou umha feroz perseguiçom contra os cristãos-novos. 


Como resultado da campanha anti-judaica, sob as ordens do papa, na primavera de 1556, 25 judeus portugueses foram queimados vivos em Ancona, 26 outros foram condenados às galés e mais 30 previamente presos somente foram libertados após pagarem suborno considerável. A Valedora dos Marranos, Gracia Mendes Nasi, junto do sultão de Constantinopla, mesmo chegou a fazer planos para boicotar Ancona e transferir todos os mercadores cristãos-novos para a vizinha Pesaro, no território mais amigável do duque de Urbino. Porém, o projeto falhou e os cristãos-novos foram expulsos desse território.

Durante o papado de Sisto V (1585-90) os cristãos-novos viram aliviada a sua situaçom ao permitir a retomada das suas atividades nas cidades das que recentemente foram expulsos. No entanto, a política de vacilaçom terminou quando Clemente VIII (1592-1605), numha bula de 25 de fevereiro de 1593, retomou as medidas duras de Paulo IV e Pio V e ordenou que os Judeus abandonassem os domínios papais prazo de três meses, exceto Roma, Ancona e Avinhom.

Durante mais de dous séculos esta legislaçom restritiva continuou a ser aplicada aos Judeus que viviam nos territórios papais e foi adotada, quase sem exceções, polos outros estados italianos.

Ducado da Toscana

Em 1549, o gram-duque Cosimo I elaborava um amplo privilégio no qual convidava os cristãos-novos portugueses a se estabelecerem na cidade de Pisa. O momento era muito significativo, umha vez que coincidia com o perdom geral para os delitos de fé em Portugal (1547) e com a expulsom dos cristãos-novos de Antuérpia (1549). 

Os privilégios oferecidos polo grão-duque eram  bastante numerosos e, entre eles, talvez o mais significativo fosse a promessa de nom serem feitas inquirições sobre a origem religiosa dos portugueses que chegavam a território toscano. Destarte, um documento de 1550 indica a presença de cristãos-novos portugueses e espanhóis em Florença.

Em 1556 o grão-duque manteve o apoio aos cristãos-novos portugueses, concedendo um salvo-conduto a todos os que viviam na Toscana como judeus, coincidindo este privilégio com o momento em que as autoriddes dos estados pontifícios, mormente em Ancona, desencadeavam uma brutal perseguiçom aos marranos aí estabelecidos.  

Em 1591 e 1593, o grão-duque Fernando I promulgou umha legislaçom fundamental para o estabelecimento dos cristãos-novos e judeus portugueses em Pisa e Livorno (chamadas de livornine). Estes dous grupos de leis conferiam amplos privilégios aos portugueses, oferecendo-lhes inúmeros benefícios, mais umha vez também em matéria de fé, que conferiam um carácter mais atrativo ao seu estabelecimento neste porto toscano.

Com o passar dos séculos, Livorno tornou-se no mais proeminente centro judaico de toda a Europa do Sul, apenas contestado por Amsterdám no Norte. Os portugueses gozaram sempre dumha legislaçom muito favorável, sobretudo no tocante às questões do foro religioso. A Santa Esnoga de Livorno tornou-se no lar da Nazione Ebrea (Naçom Judia), umha mistura de judeus portugueses e itálicos. 

Os Judeus e cristãos-novos portugueses contribuiram para a transformaçom de Livorno numha das cidades mais ativas e num dos principais centros comerciais da Europa.

A integraçom dos cristãos-novos portugueses em Livorno foi bastante profunda, apesar dalgumhas vicissitudes. Escudados pola legislaçom granducal que lhes garantia a possibilidade de retornar ao judaísmo e, apesar de alguns momentos em que sentiram o peso da jurisdiçom inquisitorial, esta comunidade manteve umha certa ambiguidade religiosa. 

Desde o final do século XVI, a importância comercial de Livorno aumentou significativamente, sendo este um importante entreposto para a entrada na Europa de produtos de luxo (como os diamantes), oriundos dos mercados asiáticos. As grandes famílias de comerciantes sefarditas portugueses nom perderam esta oportunidade e estabeleceram-se, desde muito cedo, em Livorno. Deste modo, logo após as livornine, acham-se famílias como os Ximenes e os Rodrigues de Évora com amplos interesses em Livorno. Nas décadas seguintes o número de mercadores portugueses naquela cidade aumentaria de forma muito significativa. No século XVII encontram-se membros ou correspondentes de importantes famílias, como os Vila Real, os Mogadouro e os Pinto.

Mas, em meados do século XVII,  Livorno transformou-se num centro importantíssimo para a cultura e para a religiom judaicas. A construçom da sinagoga e a existência de várias oficinas de impressom de obras litúrgicas contribuiu para transformar Livorno num verdadeiro centro de difusom do judaismo para a Península Ibérica. Muitos cristãos-novos portugueses, oriundos sobretudo da Beira Interior e de Trás-os-Montes, dirigiam-se a Livorno em busca de ensinamentos sobre os preceitos da Lei de Moisés e acabavam por retornar a Portugal munidos, em muitos casos, com livros litúrgicos impressos em Livorno em língua portuguesa ou castelhana. 

Em 1635, David Machorro, um judeu cujos antepassados seriam originários de Bragança, apresenta aos inquisidores de Lisboa um memorial com umha análise dos principais fundamentos do judaísmo, exemplificando com a sua vivência de várias décadas em Livorno. Este relato dá umha imagem muito nítida da prosperidade e do esplendor da comunidade judaica de Livorno nas primeiras décadas do século XVII.

No final do século XVIII a comunidade judia portuguesa de Livorno estava formada por 5.000 pessoas. Embora se desconheça a influência portuguesa nos usos e costumes das gentes de Livorno, nom será abusivo pensar que umha presença tam numerosa e prolongada no tempo terá, certamente, deixado as suas marcas.

A língua portuguesa foi de facto a língua franca do comércio, sendo usada em todas as transações até o século XVIII quando foi finalmente removida polo italiano. O último documento conhecido escrito em português é de 1821, umha reediçom dumha publicaçom anterior relativo à dote. A maioria de livros, quer religiosos, quer laicos, eram imprentados em português, sendo ocasionalmente traduzidos para o italiano.

A atual cidade Livorno tem poucos vestígios da época em que os portugueses aí residiam, já que um trágico bombardeamento durante a Segunda Guerra mundial destruiu quase toda a cidade. 


Ducado da Saboia

Emanuel Filiperto concedeu privilégios especiais com o intuito de induzir os Judeus a se fixarem no ducado da Saboia, mormente respeitante à fixaçom de cristãos-novos portugueses e espanhóis em Niza a fim de tornar a cidade num porto central do comércio com o Oriente.

A concessom destes privilégios enfureceu ao rei Filipe II de Espanha, que considerou todo o plano prejudicava seriamente os interesses de Espanha no Mediterrâneo, bem como constituia umha incitaçom para os cristãos-novos retornarem ao judaísmo. A pressom da Espanha levou à rescisom do privilégio e, em 22 de novembro de 1573, o duque ordenou a expulsom do seu território, no prazo de seis meses, dum grupo de cristãos-novos que retornaram ao judaísmo. Este decreto provavelmente nom foi posto em prática até 1581, altura em que Carlos Emanuel I ordenou a expulsom de todos os judeus portugueses do ducado.


Ducado de Ferrara-Módena

Na década de 1530 o Duque de Ferrara, Ercole III, foi o soberano que mais sucesso obteve com a sua política ativa para atrair os mercadores portugueses ao seu ducado. Assim sendo, em Ferrara, em meados do século os cristãos-novos formaram umha grande e próspera comunidade. 

Os duques protegeram-nos até 1581, quando o duque Alfonso II, cedendo à pressom eclesiástica, permitiu a detençom de muitos deles, sendo encaminhados para Roma três deles para serem queimados na fogueira em fevereiro 1583 .

República de Veneza

A chegada dos Judeus portugueses a Veneza produz-se nos finais do século XVI em consequência da sua expulsom dos Estados papais (nomeadamente de Ancona e Ferrara). Ao igual que outras cidades itálicas, e apesar de ter decretado a expulsom dos Judeus em 1497 e 1550, a Sereníssima República de Veneza oferecia aos Judeus portugueses a liberdade de culto e um local relativamente seguro onde fixar-se no gueto, umha área separada da cidade. A palavra gueto foi usada alegadamente pola primeira vez em 1516 em Veneza. 

Veneza oferecia nom apenas local de refúgio seguro, mas também a garantia de impedir a chegada da Inquisiçom. Teólogos como Paolo Sarpi mesmo defenderam que os Judeus estavam fora da jurisdiçom do Santo Ofício porque foram batizados pola força.

A populaçom do gueto venezano estava composta tanto por Judeus sefarditas ocidentais (Ponentini), isto é, Judeus portugueses e espanhóis que chegaram do ocidente, quanto por orientais (Levantini), quer dizer, judeus sefarditas que chegaram a Veneza procedentes do leste (mormente de Constantinopla, Corfu e Salónica). Ambos os grupos, que habitavam no Ghetto Vecchio, envolveram-se profundamente no lucrativo comércio marítimo, tornando o gueto venezano num modelo para as comunidades sefarditas da Diáspora.


A sua majestosa sinagoga, levantada em 1584 e chamada de Spagnola Scuola, a maior de todas as existentes, era umha expressom do papel e prestígio da comunidade judaica sefardita. Durante os seculos XVI a XVII foi originalmente considerada a “Sinagoga Mãe” para a comunidade hispano-portuguesa no mundo. Rabis, doutores, filósofos, escritores, cientistas, bem como abastados mercadores contribuiram para a renascença da judiaria portuguesa fora de Portugal.
A Scola Spagnola de Veneza foi considerada a Sinagoga Mãe da comunidade hispano-lusa
A importância de Veneza como centro dos Judeus e cristãos-novos portugueses começou a esmorecer por causa das medidas tomadas polas autoridades do Ducado da Toscana para atrair os Judeus a cidades como Livorno ou Pisa ou da peste que alastrou por Europa entre 1630-31. Em consequência, a partir do século XVII os judeus asquenazitas (que moravam no Ghetto Nuovo) foram removendo os judeus sefarditas ocidentais do seu papel proeminente em áreas como o comércio marítimo.

Com o declínio na importância de Veneza no século XVIII, o papel na liderança passou a ser dividido entre Livorno e Amsterdám, atuando a primeira na Itália e em parte do Mediterrâneo, e a segunda, na Europa Ocidental e Novo Mundo.


Colónias espanholas (Sardenha, Sicília, Reino de Nápoles e Ducado de Milám)

Aquando o édito de expulsom dos Judeus de Espanha tanto a Sicília como a Sardenha estavam sob o domínio catalano-aragonês, sendo completado o processo de expulsom em janeiro de 1493. Enquanto na Sicília foram expulsas 40.000 Judeus, o número na Sardenha foi mais baixo.

A maioria dos refugiados rumaram para a península itálica, mas um número considerável escolheram terras da África do Norte, Grécia, Turquia, o Levante e o Reino de Nápoles.

Em 1503 o Reino de Nápoles, com umha comunidade judaica de 9.000 pessoas, passa ao domínio espanhol. Apesar dumha certa oposiçom à implementaçom da Inquisiçom espanhola, em 1510 é ordenada a expulsom dos Judeus, fazendo com que a maioria da comunidade judaica abandonasse este território. Todavia, o édito nom é aplicado imediatamente, sendo permitida em 1515 a fixaçom de quotas de famílias abastadas. Finalmente, em 1541 os Judeus som interditos de vez a se fixarem nesta dependência.

Em 1597 foi expulsa a comunidade judaica do Ducado de Milám (900 pessoas).


2 comentários:

  1. Não vos parece estranho que após um período de benevolência permitindo as comunidades tornarem-se prósperas e abastadas lhe suceda um período difícil é os seus bens conficados?
    Sempre foi assim...

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