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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

CASTELO MENDO

Freguesia portuguesa do concelho de Almeida, na regiom da Beira, com cerca de 90 habitantes. Foi extinta em 2013 no quadro dumha reforma administrativa.

A vila de Castelo Mendo, com os seus dous recintos muralhados medievais, constitui um interessante conjunto patrimonial. Localizada na margem esquerda do rio Côa, a existência de dous sistemas muralhados erguidos confirma a importância que a coroa portuguesa reservou à linha fronteiriça que separava Portugal do reino de Galécia-Leom, nos séculos XII-XIII, e de Castela depois.

Dentro da muralha mais antiga achava-se o castelo, hoje reduzido a ruínas, mas ainda destaca a muralha que o isolava do resto do povoado civil, no qual se rasga umha porta com arco de volta perfeita. A torre de (O)Menagem que se erguia desapareceu quase por completo.

Castelo Mendo recebeu carta de foral das mãos do rei D. Sancho II em 1229. Entre as medidas tomadas polo rei para incentivar o povoamento do burgo regista-se a instituiçom dum mercado semanal no interior do castelo e a realizaçom de feira três vezes por ano com umha duraçom de oito dias.


Devido ao crescimento demográfico da vila, nos finais do séc. XIII ou inicios do XIV Castelo Mendo foi dotada dumha segunda linha de muralhas mais ampla. Esta nova muralha, obra do tempo de D. Dinis, contava com quatro portas: Porta da Vila, Porta da Guarda, voltada a NO, Porta do Sol e outra para o Sul. 
Planta de Castelo Mendo
D. Dinis confirmou o foral em 1291 e concedeu-lhe umha nova carta de feira. Porém, a incorporaçom das terras de Riba-Côa no reino de Portugal abalou a importância estratégica de Castelo Mendo, fazendo com que entrasse em decadência.


Na obra "Os Judeus em Portugal no século XV, vol II", Maria José Pimenta Ferro Tavares detetou a presença de vários Judeus a morar em Castelo Mendo, garantindo a existência nesta vila dumha comunidade judaica. Segundo os documentos sobre os Judeus que a habitaram apenas se conhece a profissom de duas pessoas, e ao contrário do que vem sendo habitual nas judiarias da Beira, estas duas pessoas som físicos, pertencendo à área da saúde e nom das profissões artesanais.
Situaçom da judiaria de Castelo Mendo. GoogleEarth
A judiaria de Castelo Mendo situava-se junto da Porta da Guarda e encostada à muralha do burgoocupando um lugar periférico dentro da trama urbana da vila.
Porta da Guarda de Castelo Mendo.
A implantaçom da Judiaria de Castelo Mendo, ao igual aconteceu com as Judiarias de Ponte de Lima, Porto, Aveiro, Guarda ou Silves responde à localizaçom dumha parte significativa das judiarias medievais portuguesas: na periferia e adossando-se muitas vezes a panos de muralha.

Junto da Porta da Guarda encontra-se um edifício popularmente conhecido de "antigo Hospital da Misericórdia". O prédio, talvez datado da segunda metade do século XVI, trata-se dumha construçom pétrea, de dous andares e com cantaria de qualidade. A sua fachada principal apresenta no andar térreo umha porta retangular ampla, com ombreiras de moldura simples e lintel reto. Neste incluiu-se, ao centro, umha carteia renascentista com motivos fitomórficos. Sobre esta porta, ao nível do primeiro andar, abre-se umha janela com outra carteia esculpida no respetivo lintel onde se pode ler a lenda religiosa SPES MEA DEUS. A diferença doutras construções judaicas, a porta, a janela e a cruz que remata o edifício possuem um alinhamento comum. A direita da porta original abriu-se umha segunda porta sem qualquer ornamento rasgada numha fase mais tardia.



Esta construçom, que hoje é umha casa de habitaçom particular, é tradicionalmente identificada como sendo o "antigo Hospital da Misericórdia". No entanto, nom existe qualquer documento que permita confirmar essa suposiçom popular. Dentro deste edifício, subindo ao primeiro andar, depara-se com um compartimento retangular que é iluminado pola janela renascentista referida da fachada. Embutido na parede leste encontra-se um armário de granito dividido em duas partes por umha prateleira. 

Os pesquisadores julgam que este armário pétreo de Castelo Mendo (datado em meados ou na segunda metade do séc. XVI) seja um helaj ou aron, isto é, um armário sagrado dos Judeus.


O Helaj era o armário sagrado onde os Judeus guardavam a Torá, rolos manuscritos contendo a transcriçom do Antigo Testamento, daí que fosse também designado Armário da Lei ou simplesmente Arca. O seu espaço era dividido em duas partes porque, para além do Livro da Lei, nele era igualmente guardada a lâmpada. Nom apresenta portas porque tradicionalmente era encerrado por meio de cortina. Ao seu lado era normalmente exposto o Menorah, o candelabro sagrado de sete braços, colocado sobre mísula.

Som vários os aspectos que permitem confirmar a origem judaica deste armário:
  1. Tanto o seu feitio requintado, em pedra, quanto o cuidado da sua ornamentaçom adequam-se a mais um fim sagrado do que um uso quotidiano.
  2. Carece de encaixes para dobradiças o que permite pensar que se trata dumha peça destinada a ser encerrada por meio dumha cortina.
  3. Está estruturado em dous espaços autónomos e ladeado por umha mísula.
  4. Abre-se numha parede voltada para o Leste, obedecendo à orientaçom cultural para Jerusalém dos Judeus.
  5. Apresenta um estreito paralelismo tipológico com o helaj da Sinagoga de Castelo de Vide (séc. XV) com similar organizaçom, mesmo material, dividido em dous grandes espaços separados por prateleira de pedra e com mísula para o Menorah.

A cronologia seródia desta peça, mais de meio século depois do édito de expulsom dos Judeus de Portugal, testemunha a resistência que certas comunidades sefarditas ofereceram à perseguiçom, nom abandonando o reino, mas também nom abdicando da suas convições. Isto significa que os cristãos-novos de Castelo Mendo preservaram o culto privado e clandestino. Destarte, o conteúdo da inscriçom da fachada pode adaptar-se a qualquer das religiões, nom constituindo, por isso, entrave para a sua exposiçom pública. O seu texto terá sido, portanto, intencionadamente escolhido para figurar na fachada do edifício (lembremos: a minha esperança é d-us).

Documento escrito a partir do artigo "O Aron de Castelo Mendo" de Mário Jorge Barroca.

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