sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A QUESTOM JUDAICA EM PORTUGAL

Prof. José Hermano Saraiva

Origens

Os Judeus estavam na Península desde o tempo romano. Tolerados umhas vezes, perseguidos outras, as suas comunidades eram populosas e numerosas já na época visigótica. Representaram sempre umha elite cultural; o Talmude diz: "Toda a cidade onde as crianças nom forem à escola está destinada a perecer".

A obra de irradicaçom violenta e total das culturas religiosas opostas à cultura cristã dominante fez com que a cultura judaica, ao igual que a árabe, experimentasse um processo de destruiçom na sequência da reconquista. O único que chegou até hoje foram três ou quatro lápides funerárias (que se salvaram porque estavam enterradas) e que constituem todo o recheio do museu judaico aberto há alguns anos em Tomar para recolher os vestígios dumha civilizaçom que se sabe ter sido brilhante.


Séculos XII-XIV

Durante o século XII foram violentamente perseguidos nas regiões dominadas polos Árabes e muitos deles procuraram refúgio nos Estados cristãos. Afonso VI acolheu-os, favoreceu-os e utilizou-os para a formaçom dos quadros superiores da administraçom estadual.

Afonso Henriques seguiu essa mesma linha. Sabe-se que depois da conquista de Santarém deu três casais a um judeu notável; um filho desse judeu desempenhou o importante cargo de almoxarife-mor de Sancho I. Até ao século XIV os reis mantiveram essa orientaçom.

As profissões que exigiam maior preparaçom (sobretodo a medicina) e grande parte do comércio eram exercidas por Judeus. Condenados pola Igreja e segregados polas populações, formavam, apesar disso, umha camada superior da sociedade, privilegiada dos pontos de vista do saber e do dinheiro.


Séculos XV-XVI

Em 1492, os Reis Católicos decretaram a expulsom dos Judeus dos seus Estados no prazo de quatro meses e sob pena de morte. Muitos dos Judeus súbditos procuraram refúgio em Portugal. D. João II autorizou a instalaçom das famílias mais ricas a troco de altas quantias. Mas os refugiados eram umha verdadeira invasom: cerca de 100.000. O rei autorizou-os, também mediante umha propina por cabeça, a ficarem oito meses em Portugal seguindo depois os seus destinos. Os que nada puderam pagar foram reduzidos a escravos.

A maior parte dos refugiados ficou no País, engrossando enormemente a populaçom judia, que já era numerosa. Muitas crianças, retiradas à força aos pais, foram mandadas povoar a ilha de S. Tomé. Poucas sobreviveram.

Em 1496, D. Manuel seguiu o exemplo dos Reis Católicos; ordenou a expulsom de todos os Judeus, tanto os castelhanos como os portugueses. Fê-lo por exigências no decurso das negociações com a filha dos monarcas espanhóis; mas parece que os seus conselheiros se deram conta dos prejuízos que a medida acarretava:
  • Perda dos enormes produtos que os Judeus pagavam;
  • Sangria dos valores que levariam consigo;
  • Saída de milhares de úteis artesãos.
O rei adoptou umha politica de compromisso aparente: os Judeus ficavam, mas deixavam de ser Judeus. Para o conseguir, ordenou o batismo forçado dos filhos, recusou meios de transporte para a saída por mar (o que equivalia à proibiçom de sair, por a passagem por Espanha nom ser possível) e deu a todos a garantia de que, durante vinte anos, nom seriam perseguidos por motivos religiosos. Era, portanto, a imposiçom da conversom aparente e umha forma de iludir a obrigaçom contraída nos acordos com os Reis Católicos.

As Judiarias foram extintas, as sinagogas transformadas em igrejas, os Judeus passaram, oficialmente, a ser cristãos. Para distinguir uns dos outros, passou a falar-se em cristãos-novos e cristãos-velhos.


[Em 1500] o nome que os descobridores deram à nova terra, Vera Cruz, foi rapidamente substituído pola designaçom do principal produto que de lá se trazia [Brasil]. A principal riqueza da terra recém-descoberta foi, durante muitos anos, o pau-brasil, árvore cujo cerne, intensamente vermelho, tinha aplicaçom na tinturaria e cuja madeira, dumha grande resistência, era usada na construçom de móveis e de navios.

Em 1502 o comércio do pau-brasil foi arrendado a um cristão-novo, Fernão de Noronha, que ficou obrigado a enviar em cada ano umha frota de seis navios, a explorar também anualmente trinta léguas de costa e a instalar feitorias nos lugares mais apropriados. Começou entom a instalaçom dos primeiros núcleos de portugueses no litoral brasileiro.

Alguns atribuem a Fernão de Noronha a mudança dos nomes cristãos de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz para Brasil dessa antiga colónia portuguesa. Entretanto, tal facto carece de base histórica e está originado por ideias antissemitas.


O problema dos cristãos-novos iria arrastar-se durante muito tempo. A fusom entre os dous grupos, que durante séculos tinham vivido separados, foi lenta e dificil. 

Em 1506 houve em Lisboa motins em que os cristãos-novos foram ferozmente perseguidos. O número de mortos foi cerca de dous mil. Apesar da garantia de nom perseguiçom os Hebreus foram objeto de numerosas discriminações. À antiga distinçom da populaçom em duas nações, cristã e judaica, que permitiu aos Judeus viver em paz durante séculos, sucedeu-se umha falsa unidade.


Monumento em Lisboa em homenagem aos Judeus mortos no massacre de 1506
Fonte: Wikipedia
A partir de 1534 [com a instituiçom da Inquisiçom em Portugal] as perseguições foram constantes e sistemáticas e levaram à formaçom de duas mentalidades viciosas e inimigas: a do cristão-velho, detentor da verdade, inimigo da inovaçom, farejador de erros alheios, dogmático e repressivo, e a do cristão-novo, dissimulado, messianista, acossado, intimamente revoltado, nom solidário com o conjunto da comunidade nacional que o repele e que ele no fundo nom reconhece como sua. Essa fratura da consciência nacional chegaria até muito tarde.

[Doravante] muitos Judeus [e cristãos-novos], procurando escapar às perseguições de que eram alvo em Portugal, foram instalar-se no Brasil.


*José Hermano Saraiva (1919-2012) foi um advogado, professor e historiador português que desenvolveu um imenso trabalho como divulgador em prol da História, da Cultura e da Literatura. Passagens tiradas da "História concisa de Portugal", transcritas para o galego-português.

Sem comentários:

Enviar um comentário