segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

TRUMP, DIOCLECIANO E O PORQUEIRO

Bernard-Henri Lévy

É possível que Obama tivesse abandonado Israel. Mas o que é certo é que Trump vai treiçoar Israel.

Como é possível? Nom está a dar múltiplos sinais de boa vontade? O nomeamento dum embaixador amigo, o anúncio do deslocamento da embaixada para Jerusalém, o nomeamento do genro dele, Jared Kushner, como assessor, nom som acenos enérgicos dos que Israel se deveria alegrar?

Sim e nom.

Existe umha lei formulada por Gershom Scholem quando, durante o processo de Eichmann, censurou Hannah Ardent alegando que carecia de Ahavat Israel "o amor ao povo judeu". Ardent retorquiu que, quando se tratar de Israel, as provas de amor som menos importantes do que o amor. Para sermos exatos, disse que os gestos de amizade, quando nom ligados a um conhecimento e um apego sincero, tornam-se, num dado momento, em tudo o contrário.

Na atualidade, o perigo é, em Israel, que se reforce a faixa mais radical da sociedade, um má sinal dirigido aos que, no outro bando, se alegram de que os Estados Unidos comecem a tomar decisões unilaterais que, um dia, possam ser desfavoráveis aos Judeus; e nos Estados Unidos, a proximidade dum presidente instável (que muda segundo o negócio do dia) e impopular para meio pais (com a rotura do consenso entre os dous partidos que sempre reforçou Israel).

Nom tenho nem ideia, como é natural, do amor que Donald Trump sente, ou nom, polo povo judeu. Mas dá-nos algumha pista o livro de John O'Donnel sobre ele: "O único tipo de gente que conte o meu dinheiro som pequenos homens cobertos com a kipá". Esteve nos twitts com os que empezinhou em arrancar ao jornalista John Stewart, a máscara atrás da que se ocultava Jonathan Leibowitz, o seu verdadeiro nome. Estiveram as palavras que encaminhou, em plena campanha, a umha reuniom de doadores judeus: "Sei por que nom me vam apoiar! Porque nom procedo do seu dinheiro!".

Ou, para sermos mais precisos, essa variedade de desprezo que funciona, segundo Freud, como um mecanismo antecipado de defesa contra o pressumível desprezo do outro. Pouco importa que esse desprezo seja real ou imaginário.

Que John Stewart ou os doadores judeus republicanos desdenhassem verdadeiramente ao construtor kitsch da Trump Tower, tilintante com os seus acrescimos capilares, mobiliários e imobiliários nom é o importante. O fundamental é que Donald Trump acredita nisso. O fundamental é que, para ele, os Judeus som a caricatura dessa elite nova iorquina que sempre o considerou um marionetista vulgar e sem alma. E aí surge o típico caso desse desprezo de autodefesa, quando os Judeus som os representantes dumha elite que o olhou com desdém e da que, agora que ele tem o poder, se pode vingar.

Existe um relato talmúdico que exprime bem esta lógica. O rabi Yehuda tem umha escola por diante da que passa, cada dia, um jovem porqueiro romano do que os alunos se troçam das alturas da sua sabedoria. Um dia, o rabi recebe umha ordem de acudir ao oeste do reino de Edom, perante o imperador Diocleciano; e ao chegar, com grande espanto, reconhece o porqueiro convertido em rei. À primeira vista, este recebe-o com todas as considerações. Quando chega, ordena que lhe preparem um banho para que se purifique das miasmas da viagem. Com umha salvidade: teve a maldade de convocá-lo numha sexta-feira, justo antes do Sabbat. O banho está quente de mais e, se nom tivesse intervido um anjo no último minuto, vertendo grandes quantidades de água fria, teria morto escaldado. E quando o rabi, salvo polo anjo, aparece perante o antigo porqueiro, este diz-lhe: "Como o teu Deus faz milagres, permites-te desprezar o imperador!".

Esta história é umha boa metáfora dos Estados Unidos de hoje, onde, como em Edom, o nilismo triunfante tornou um porqueiro em imperador.

É um bom exemplo também da prudência do judeu, que retorque: "Desdenhávamos o Diocleciano porqueiro, mas debruçamo-nos perante o imperador Diocleciano, sempre que, como Saul, que antes de rei cuidara burras, transcendesse pola sua funçom e a sua metamorfose". E, especialmente, é umha boa alegoria dos banhos e as prendas poçonhentas que pode outorgar um porqueiro humilhado que decide vingar-se.

Perante esta situaçom, o mais importante é nom cair na armadilha da boa vontade de duplo gume. Os Judeus nom devem esquecer que, por muito que Trump multiplicar as declarações de amor, sempre será um mal pastor que apenas respeita o poder, o dinheiro, os estuques e os ouros dos seus palácios. E devem estar cientes de que, na atmosfera populista atual, neste momento em que se ataca o pensamento e as mentiras brotam com umha arrogância, neste mundo que está a alastrar e no que, dos plutócratas estado-unidenses aos oligarcas russos, os porqueiros mostram sem vergonha a sua linhagem nas fachadas dos seus palácios imperiais, a pequena naçom judia nom tem espaço.

Aliar-se com isso é treiçoar a sua vocaçom. É entregar-se, nom a Pompeu ou a Asuero, mas a Diocleciano; é arriscar-se a perder a identidade. Para os herdeiros dum povo cuja longevidade através do tempo foi devida à milagre dum pensamento constantemente revivido, sacrificar essa vocaçom de excelência, renunciar ao dever de exceçom que foi o lêvedo -desde Aquiba até Kafka, de Rashi até Proust- dumha resistência quase incompreensível, em resumo, rendir-se ao nilismo de Trump, seria a mais terrível das capitulações e equivaleria a um suicídio.

Bernard-Henri Lévi, é filósofo

Fonte: BHL Traduçom livre de CAEIRO para o galego-português.

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