segunda-feira, 26 de outubro de 2015

OS JUDEUS PORTUGUESES DE AMSTERDÃO

Após se independizar de Espanha, em 1581 a República das Sete Províncias Unidas foi o primeiro estado a estabelecer legalmente a liberdade religiosa. De acordo com os Estatutos da nova República, ninguém em território neerlandês devia ser importunado por motivos religiosos, desde que nom perturbassem a ordem social, fossem estes os seus habitantes ou simplesmente visitantes. Destarte, este país oferecia perspectivas para umha vida em liberdade aos cristãos-novos perseguidos em Portugal, assinalando-lhes a possibilidade de retornarem ao judaismo. Portugal vivia sob ocupaçom espanhola desde 1580.
Amsterdão no século XVII
Assim sendo, por volta de 1590-93, isto é, nos primeiros anos da ocupaçom espanhola de Portugal, famílias portuguesas de ascendência hebraica começaram a fixar-se em Amsterdão, criando umha importante comunidade. Embora a maioria procedia diretamente de Portugal, muitos outros vieram de Antuérpia logo depois de esta cidade flamenga cair em mãos dos espanhóis. Nom só os Judeus portugueses se refugiaram em Amsterdão, mas também os Judeus procedentes dos reinos de Espanha, que se chamaram de "Portugueses" para evitar a identificaçom com a Espanha que entom estava em guerra com a República Holandesa no quadro da Guerra dos Oitenta Anos. De resto, muitos destes Judeus portugueses tinham as suas origens nos diferentes reinos de Espanha.

Tratava-se dumha elite sefardita, portadora de contatos comerciais em redes internacionais, mantidas sobretudo por elos familiares, nom só através da Europa, Próximo Oriente e África do Norte, mas também com aqueles centros da Península Ibérica que abandonaram. Porém, o facto de se terem fixado em Amsterdão responde a que estes refugiados portugueses nom foram admitidos em centros comerciais como Middelburg ou Haarlem. Sob a influência desta elite judaico-portuguesa Amsterdão, cidade portuária e comercial, nom apenas cresceu rapidamente tornando-se no principal porto europeu, mas contribuiu para a consolidaçom da República das Províncias Unidas e a expansom marítima holandesa. 

Muitos Judeus apoiaram a Casa de Orange e em troca foram protegidos polas autoridades e receberam apoio para combaterem no exterior os espanhóis. Estes portugueses conduziram os holandeses ao cerne do Império espanhol e do Império português dominado nessa altura pola Espanha. A experiência, capitais e trabalho dos Judeus portugueses em 1602 criou-se a conhecida Companhia das Índias Orientais que procurou ocupar e conquistar as principais colónias espanholas e portuguesas e outras regiões do mundo.

A Judiaria de Amsterdão fixou-se a leste do centro da cidade (Centrum), na ilha de Vlooienburg, rodeada polo rio Amstel e os canais. O bairro judeu (Jodenbuurt) estava limitado polo río Amstel (a SO), os canais de Zwanenburgwal e Oudeschans (a NO) e a Rua Rapenburg (NL). A principal rua da ilha, Breestraat, rapidamente tornou-se em Jodenbreestraat (Grande Rua Judaica). Lá eles começaram a se estruturar económicamente (ligados principalmente ao comércio e os maiores, aos negócios do açúcar) e religiosamente. Os Judeus deram ao seu novo lar, Amsterdão, o nome hebraico de Mokum para mostrar o seu conforto na cidade holandesa.

Em 1599 há registos de que haveria cerca de 100 Judeus portugueses em Amesterdão. Em 1610 seriam perto de 200, 500 em 1612, 1.000 em 1620 e 2.500 em 1672. 

Em 1616, a República Holandesa incumbe ao jurista Hugo Grotius, alcunhado como “pai da legislaçom internacional”, a definiçom do estatuto legal dos Hebreus no seu território. Este reafirmara a presença daqueles como benéfica e até mesmo desejável para o desenvolvimento socioeconómico da naçom, ressaltando a preeminência da liberdade religiosa e objetando a utilizaçom de qualquer símbolo que viesse a os denegrir ou o seu confinamento em guettos como noutras partes da Europa. Destarte, as decisões relativas aos Judeus ficavam a cargo dos governantes de cada cidade especificamente. 

Assim sendo, por decisom do Conselho Protestante da Cidade de Amsterdão, abriram-se possibilidades para o desenvolvimento livre, aberto e público da identidade etno-religiosa judaica. Contodo foi-lhes negado o casamento com cristãos ou terem filhos com eles, bem como a conversom de cristãos ao Judaísmo ou o acesso dos israelitas a cargos governativos. Esta última condiçom, na verdade, fora generalizada a todos os que nom pertenciam a Igreja Reformada. 

Em 1621 os Judeus portugueses de Amsterdão contribuiram grandemente para a fundaçom da Companhia Holandesa das Índias OcidentaisEsta companhia, fundada por calvinistas refugiados na República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos para fugir das perseguições religiosas no mundo católico, recebeu, pouco depois, um alvará de monopólio do comércio com as colónias ocidentais do Caribe, bem como do tráfico de escravos com o Brasil, o Caribe e a América do Norte, podendo operar na África, entre o trópico de Câncer e o Cabo da Boa Esperança, e em toda a regiom das Américas, incluindo o Pacífico.

O principal objetivo da Companhia era o de eliminar a concorrência espanhola e portuguesa nas principais rotas do comércio. Apesar de o envolvimento dos Judeus sefarditas no seu capital ser mínimo, por relaçom à totalidade do investimento, nom há dúvidas de que o seu envolvimento favoreceu as relações entre a Holanda e as colónias da América Latina. O judeu português Isaac de Pinto foi no século XVIII um dos 19 administradores, os Heeren XIX, e teve, junto ao seu pai David, umha grande influencia no governo da República das Sete Províncias Unidas.

A ocupaçom de Pernambuco (Brasil), em 1630, foi financiada e assegurada por um grupo de Judeus portugueses, entre os quais sobranceam Manuel Mendes de Castro, Issac Aboab da Fonseca, Abraão e Isaac Pereira, David de Aguiar, Moisés Rafael de Aguilar,... Em 1642 por volta de 600 judeus portugueses de Amsterdão rumaram para colonizar a colónia de Pernambuco, tornando-se nos proprietários dos engenhos de açúcar que lá foram instalados. Em muitos outros locais a situaçom era idêntica.

Numha carta de novembro de 1622, o rei Cristião IV da Dinamarca convida os Judeus de Amsterdão para se fixar em Glückstad, onde estaria garantido o livre exercício da sua religiom.

Muitos judeus portugueses financiaram a causa independentista de D. João IV e a guerra contra a Espanha, graças à açom diplomática do padre António Vieira que bem defenderia, sem qualquer sucesso, a nom perseguiçom e o regresso dos Judeus a Portugal. Nessa altura Amsterdão associava-se à banca e comércio dos cristãos-novos de Hamburgo e de Londres.

Essa proveniência de famílias de empreendedores, comerciais, abastadas e de estilos de vida correspondentes a círculos mais privilegiados da sociedade portuguesa explica que ganharam na Holanda um rótulo de gente de cultura, de dinheiro e influência política.

Para além de mercadores, entre os Judeus portugueses de Amsterdão havia um grande número de físicos/médicos. Os Judeus foram admitidos como estudantes na universidade, onde estudaram medicina como o único ramo da ciência que era de uso prático para eles, pois eles nom tinham permissom para exercer a advocacia. Em 1632 umha resoluçom aprovada pola cidade de Amsterdão impediu os Judeus de fazerem parte dos grémios de mercadores. Porém, foram feitas exceções no caso de comércios ligados à sua religiom (impressom, venda de livros, venda de carne, aves, alimentos e medicamentos) ou atividades como o corte de diamantes, finanças. Excecionalmente, em 1655 um judeu foi autorizado para estabelecer umha refinaria de açúcar.

Os cristãos-novos portugueses, embora nom formalmente reconhecidos como cidadãos, desfrutaram da liberdade religiosa e proteçom das suas vidas e propriedades, especialmente relativamente às potências estrangeiras.

Os cristãos-novos praticaram os seus cultos primeiramente em casas de comerciantes, em especial portugueses. Em 1610 construiu-se a primeira sinagoga, em 1612 a segunda e em 1618 a terceira, localizada nuns armazéns adquiridos por José Pinto. Quatro anos antes a comunidade israelita obteve umha área em Ouderkerk aan de Amstel, nos arredores de Amsterdám, para a construçom do seu cemitério (Beth Haim). O cemitério português de Amsterdão é outro exemplo da dimensom social, económica e cultural da judiaria portuguesa. Nele foram sepultados mais de 27.500 Judeus portugueses e os seus descendentes. Muitas campas ainda ostentam brasões portugueses testemunhando o elevado estatuto social destas famílias.
 Cemitério judaico-português de Amsterdão Fonte
Fonte: Sepharad Jewish Heritage
Em 1639 as très congregações uniram-se, sendo inaugurada em 1675 a Esnoga Portuguesa de Amsterdão. A Torah que aí existe, datada do início do século XIV e que veio de Hamburgo para Amsterdão em 1604, é portuguesa. A sinagoga possui umha excecional biblioteca (Ets Haim), criada em 1615, para a formaçom dos rabis da comunidade.

 Esnoga judeu-portuguesa de Amsterdão Fonte
A Sinagoga portuguesa de Amsterdão, conhecida de Esnoga, juntamente com a Velha Sinagoga de Praga, é o mais antigo templo judaico que funciona no mundo.

A comunidade portuguesa iria inspirar a fundação de comunicadades judaicas semelhantes em Recife, Nova Amsterdão (agora Nova Iorque), Londres e Curação. Isto pode-se ver claramente no Mikvé Israel-Emanuel da sinagoga de Willemstad, cujo interior é umha cópia da Esnoga de Amsterdão.

Os Judeus da naçom portuguesa implantaram mesmo um dialeto próprio, conhecido por judeu-português, umha língua escrita em caracteres hebraicos, utilizada nos registos da esnoga, que nom sobreviveu em Portugal mas foi falada e escrita na Holanda até ao século XIX. Na atualidade a língua portuguesa ainda é utilizada nos assuntos nom religiosos da comunidade.


Paralelamente à chegada dos Judeus portugueses, produziu-se a dos judeus dos territórios da Europa do Leste (os chamados Asquenazitas), mais numerosos e normalmente mais pobres do que os portugueses, contribuindo os dous grupos para a conformaçom da judiaria holandesa. Em 1672 havia em Amsterdão 5.000 judeus asquenazitas contra 2.500 sefarditas.

No século XX depois da invasom pola Alemanha na Segunda Guerra Mundial mais de 80% dos Judeus holandeses foram exterminados polos nazistas. Na altura em que os Países Baixos foram ocupados polos nazistas, a populaçom judaica de Amsterdão era de 75.000 pessoas (79.000 em 1942). Os Judeus representavam menos de 10% da populaçom total da cidade. 

Os sobreviventes da Shoa e os seus descendentes trabalharam duramente para reconstruir a comunidade portuguesa de Amsterdão. Hoje o número de membros, embora lentamente, está a crescer e por volta de 250 famílias integram umha comunidade de quase 630 pessoas. No entanto, os muito poucos nomes de família portugueses na Holanda, têm ainda uma aura de prestígio, intimamente ligado ao afluxo de Judeus portugueses nos séculos XVI e XVII.

6 comentários:

  1. Trabalho interessante!
    Conheço parte da história dos Judeus na Holanda...
    Felicitações!


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  2. Boa noite:
    Gostaria da vossa ajuda para saber se apelido de Sousa Brandão consta da lista de subrenomes Sefraditas em Amesterdão. Digo isto porque sempre ouvi o meu Pai falar que sim e que não tinham alterado o nome que eu refiro , dizia que essa informação passava de geração em geração, mas nunca ninguém até agora tentou saber de facto.
    Eu gostaria realmente de saber se de facto sou descente e quais os passos para saber.

    Agradeço desde já a atenção dispensada e cumprimentos.
    Maria Clara Freire de Sousa Brandão



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    1. Prezada Maria Clara,
      Quer Sousa, quer Brandão, trata-se de apelidos de origem genuinamente portuguesa.
      Brandão é um apelido com raízes toponímicas, talvez ligado à vila de Paços de Brandão (munícipio de Santa Maria da Feira).
      Nos séculos XV-XVI houve um aventureiro português de origem judsica (Duarte Brandão) que teria fugido à Inglaterra. Existe a hipótese de que o seu caso estaria ligado a essa pessoa.
      Talvez poderia servir de ajuda fazer um estudo arquivístico sobre os seus antepassados ou realizar um teste genético para esclarecer dúvidas sobre essa origem.
      Cumprimentos.

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  3. ola boa tarde,

    sou aluno do Mestrado de Migrações da Univerdade NOVA em Lisboa, e estou a fazer um projeto de investigação sobre a Reflexão sobre a dispersão judaico-portuguesa do século XVI e XVII, e este foca-se essencialmente na comunidade Sefardita em Amesterdão. por isso, achei extremamente interessante os dados que apresenta sobre a comunidade nesta cidade dos Países Baixos. porém de forma a poder incorpora-la no meu trabalho de mestrado, com as devidas referenciações seria possível dizer-me alguma das bibliografias onde desenvolveu a sua pesquisa?

    de facto o blog está muitooo bom e tem-me ajudado muitíssimo a desenvolver o meu projeto!

    Cumprimentos João

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  4. É muito difícil seja em Portugal,Espanha,Oriente Médio,America Latina e no Brasil alguma família tida como tradicional não tenha algum sangue cristão novo ,vinte por cento do português foi rastreado pelo teste de DNA que é complicado ser verificado por causa dos haplogrupo não serem tão nítidos assim nesta região, semelhantes por causa da mistura e da diáspora alguns outros possuem indícios e genealogia é mais correta mas é mais morosa,então deve-se buscar ao menos correspondências e especificações e procurar pesquisar o melhor possível se caso se exite alguma veracidade desta informação que aparentemente é desconhecido da prática usual daquele meio,muitos brasileiros de fato tem ascendência de conversos por serem eles os grupos predominante entre os brancos e os degredados das colônias principalmente no início colonial e não foi só no Nordeste foi em todo país,assim imagine quanta gente eles misturaram tiveram relacionamento com todo tipo de etnia estavam se lixando para a miscigenação,inclusive as mulheres brancas normalmente quando vinham ao Brasil eram judias,mesmo com toda problematização e conflito entre os dos grupos predominantes entre judeus e aqueles tidos como os purificados,mas na verdade todos tinham analiticamente uma ancestralidade digamos bem mesclada,aqueles que acreditam em mitos dali ou daqui se prendem a regras e demasiadamente se escondem atrás de um tolo tradicionalismo e esquecem o conhecimento e o amor pela honra dos seus antepassados na verdade quando estudarem este assunto é compreender quem eles eram e o que podem representar no mundo e que lição podemos assimilar deles tinham qualidades e defeitos como qualquer pessoa porém jogados em uma situação complicada,por serem um povo na média não propriamente mais inteligentes porém muito mais preparados seja a atividade intelectual se desse ao cristão a mesma arma teriam o mesmo exito e parariam com esta visão obtusa em querer tratar o judeu com tanto desdém achando que só servem para arracarem algum dinheiro.

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