sábado, 27 de setembro de 2014

PROJETO DE LEI DO RETORNO DO PS PARA OS JUDEUS SEFARDITAS PORTUGUESES

A seguir reproduz-se, na íntegra, o projeto de alteraçom à lei da nacionalidade apresentado a 7 de março de 2013 polo Grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) para conceder a naturalizaçom portuguesa aos descendentes de Judeus expulsos de Portugal, nos séculos XV e XVI, promover o seu retorno e reabilitar a sua imagem.

O projeto de alteraçom à Lei da Nacionalidade visa acrescentar um ponto ao artigo 6.º, no qual deverá constar que “o Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos (…) aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objectivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência directa ou colateral”.

No seu projeto, os socialistas recordam a “antiguidade” da presença no território peninsular – designado Sefarad – de Judeus que foram expulsos de Portugal depois de D. Manuel I ter assinado, em 1496 o “Decreto de Expulsão dos Hereges”.

No início do século XIX, regressaram a Portugal alguns judeus sefarditas originários de Marrocos e de Gibraltar, e instalaram-se numha comunidade em Lisboa que, durante a II Guerra Mundial, viria a dar um “apoio notável” aos “refugiados fugidos à barbárie hitleriana que daqui partiram para uma nova vida em novos lugares, nomeadamente para os Estados Unidos e Brasil”.

Também a partir da sinagoga do Porto, edificada pelo capitão Barros Basto, milhares de judeus conseguiram reconstruir a suas vidas com a ajuda da seçom que ficou conhecida como “Amparo dos Desterrados” e que forneceu os respectivos documentos de identificaçom ao Museu do Holocausto em Washington.


PROJECTO DE LEI N.º 373/XII/2ª
Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade)


Exposição de motivos

Embora se desconheça em que época chegaram os primeiros judeus ao território que hoje se designa como Sefarad e constitui “grosso modo” a Península Ibérica, julga-se que a sua presença nesta região se relacione com o estabelecimento de feitorias fenícias ao longo da orla marítima. Existem, no entanto, em território português dois achados arqueológicos que atestam a antiguidade da sua presença. O primeiro é uma lápide funerária do séc. V existente no Museu Municipal de Mértola. O segundo é uma pedra de anel datada do séc. II encontrada na antiga cidade de Aramenha nos arredores de Marvão.

Durante toda a Idade Média estes mesmos judeus sefarditas desempenharam, em conjunto com os conquistadores árabes um papel cultural importantíssimo, promovendo entre outros factos a divulgação da filosofia e das culturas clássicas. Frequentemente, para além de se dedicarem fundamentalmente aos ofícios, os judeus peninsulares foram também “físicos” (médicos), filósofos, teólogos, astrónomos, cosmógrafos, poetas, escritores e comerciantes.

Já muito cedo, no alvorecer do Reino de Portugal, é um judeu de nome Iehudah ben Iaish ibn Iahia (ou Yahia ben Yahia) companheiro de Afonso Henriques na conquista de Santarém, Lisboa, Mértola e Alcácer do Sal (onde morreu em combate) que, como recompensa pelos serviços prestados, o nosso primeiro rei nomeia Mordomo Real, Cavaleiro-Mor, lhe concede o direito de uso de brazão, o nomeia primeiro grão Rabino de Portugal e o presenteia com vastas propriedades quer nos arrabaldes de Lisboa, quer na fronteira do Alentejo. 

No período que decorre entre os séculos IX e XVI, a Península Ibérica atinge em termos culturais um dos seus momentos áureos. Aqui têm o seu berço figuras como Shmuel ibn Negrela, Shlomo ibn Gabirol, Ibn Paquda, Moshe ibn Ezra, Yehuda Halevi, Avraham ibn Ezra, Moshe bem Maimon (Maimonides), Moshe bem Nachman (Nachmanides), Avraham Zacuto, Itzchak Abravanel, entre outros. Consequência de uma tão vasta e diversificada sabedoria é, sem dúvida, a criação da Escola de Tradutores de Toledo por Afonso X de Castela, avô de D. Diniz, a qual permitiu um renascimento filosófico, teológico e científico das culturas clássicas que, na época se repercutiu por toda a Europa.

Com alguma segurança é possível afirmar que neste período da primeira dinastia e parte da segunda, se consolidou a presença de judeus e da cultura judaica no território nacional. Através da sua poesia é possível acompanhar a evolução e a intensificação do amor dos judeus peninsulares por Sefarad. Não é, portanto, de estranhar que quando D. Manuel assinou o Decreto de Expulsão dos Hereges em 1496, os judeus portugueses tal como os espanhóis o tinham feito anteriormente em 1492 considerassem a expulsão de Espanha e Portugal como uma “segunda expulsão de Jerusalém”. 

Não há muitos anos, Sam Levy, figura notável da Comunidade Israelita de Lisboa, historiador, colecionador (grande parte do seu espólio museológico foi doado ao Museu Nacional de Arqueologia), comerciante e grande amigo de Portugal, natural de Esmirna na actual Turquia, possuía na sua magnífica colecção uma chave de ferro que afirmava ser a chave da porta da casa dos seus antepassados em Portugal antes da expulsão dos judeus. Este facto não é raro entre os judeus sefarditas de origem portuguesa que procuraram refúgio e se estabeleceram naquela região quando da sua expulsão de Portugal. 

Por outro lado, estes descendentes de judeus portugueses mantém viva uma língua, o ladino (“El djudeo-espanyol, djidio, djudezmo o ladino es la lingua favlada por los sefardim, djudios arrondjados de la Espanya en el 1492 i de Portugal en 1496. Es una lingua derivada del kastilyano i del portugues i favlada por 150.000 personas en komunitas en Israel, la Turkiya, antika Yugoslavia, la Gresia, el Marroko i las Amerikas, entre munchos otros”) que, como acima ficou bem expresso nessa mesma língua: o judeu-espanhol, o “djidio”, “judezmo” ou ladino é a língua falada pelos sefarditas, judeus expulsos de Espanha em 1492 e de Portugal em 1496. É uma língua derivada do castelhano e do português e falada por 150.000 pessoas em comunidades em Israel, Turquia, antiga Jugoslávia, Grécia, Marrocos e nas Américas entre muitos outros locais.

Com a “conversão em pé”, denominação pela qual ficou conhecida a conversão forçada dos judeus decretada por D. Manuel em 1497, deixaram de existir oficialmente judeus em Portugal, apenas cristãos-velhos e cristãos-novos. Esta nova nomenclatura de cristãos-novos escondia, ainda que oficializasse, o desejo do desmembramento da cultura judaica no Reino, assim como proporcionava a apropriação, pelo clero e pela nobreza, dos seus bens móveis e imóveis.

Tal situação agravou-se com a “matança dos judeus de Lisboa” em 1506 e posteriormente com a introdução da Inquisição em Portugal.

Instituída definitivamente de Évora em 1536 pela Bula “Cum ad nihil magis” de Paulo III, a Inquisição em Portugal perseguiu ferozmente os então considerados hereges, nomeadamente os cristãos-novos de origem judia, por razões que se devem, não só à divergência de motivos religiosos, mas fundamentalmente e até onde pudemos apreciar, ao desejo de se apoderar do seu espólio e da sua capacidade económica e financeira.

A perniciosa actividade inquisitorial foi anulada com o Alvará de 2 de Maio de 1768, do Marquês de Pombal, promulgado por D. José, que punha fim aos “Rois de Fintas” confirmando no seu preâmbulo: “…Sendo o sangue dos Hebreus o mesmo idêntico sangue dos Apóstolos, dos Diáconos, dos Presbíteros e dos Bispos por eles ordenados e consagrados. (…) Não pude deixar de fazer as assíduas indagações para investigar e descobrir a causa com que nos meus Reinos e Domínios se introduziu e fez grafar a dita distinção de Cristãos Novos e Cristãos Velhos (…), que por aquele longo período de tempo tem infamado e oprimido um tão grande número dos Meus fiéis Vassalos.” E relembra algumas Bulas, nomeadamente de Bonifácio IX e Clemente VI: “(…) Que nenhum Cristão violentasse os Judeus a receberem o Baptismo; Que lhes não impedissem as suas festas e solenidades; Que lhes não violassem os seus cemitérios; E que se lhes não impusessem tributos diferentes e maiores daqueles que pagassem os Cristãos das respectivas províncias”. E conclui o Alvará de D. José: “Mando que todos os Alvarás, Cartas, Ordens e mais Disposições, maquinadas e introduzidas para separar, desunir e armar os Estados e Vassalos destes Reinos uns contra os outros em sucessivas e perpétuas discórdias, com o pernicioso fomento da sobredita distinção entre Cristãos Novos e Cristãos Velhos, fiquem desde a publicação desta abolidos e extintos, como se nunca tivessem existido e que os registos deles sejam trancados, cancelados e riscados em forma que mais não possam ler-se; para que assim fique inteiramente abolida até a memória deste atentado cometido contra o Espírito e Cânones da Igreja Universal, de todas as Igrejas Particulares e contra as Leis e louváveis costumes destes Meus Reinos, oprimidos com tantos, tão funestos e tão deploráveis estragos por mais de Século e meio, pelas sobreditas maquinações maliciosas.”

Ironicamente este Alvará trouxe, “a posteriori”, aos cripto-judeus portugueses um grave problema de identificação dos seus ascendentes anteriores ao Marquês de Pombal. Situação criada pela destruição de todos os registos dos cristãos novos é de tal forma grave que, apenas esporadicamente, a genealogia consegue articular factos anteriores com os posteriores àquela data e, quase sempre, por via indirecta.

No entanto, a Inquisição em Portugal só foi extinta formalmente com o advento do Liberalismo, após o pronunciamento de 24 de Agosto de 1820, por votação unânime nas Cortes Constitucionais da proposta apresentada pelo Deputado Francisco Simões Margiochi na sessão de 31 de Março de 1821.

Durante o período inquisitorial, os cristãos-novos e os judeus portugueses que conseguiram escapar à sua rede e sair do Reino, fizeram-no para algumas regiões do Mediterrâneo (Gibraltar, Marrocos, Sul de França, Itália, Croácia, Grécia, Turquia, Síria, Líbano, Israel, Jordânia, Egipto, Líbia, Tunísia e Argélia), norte da Europa (Londres, Nantes, Paris, Antuérpia, Bruxelas, Roterdão, Amsterdão), Brasil, Antilhas e Estados Unidos da América entre outras.

No início do século XIX, começaram a regressar a Portugal alguns judeus sefarditas originários de Marrocos e Gibraltar e em 1801 cria-se o primeiro cemitério judeu moderno junto ao cemitério inglês em Lisboa. Porém, só em 1868, um Alvará de D. Luís concede aos “judeus de Lisboa a permissão de instalar um cemitério para a inumação dos seus correligionários”, o actual cemitério da Rua D. Afonso III, em Lisboa. 

Contudo a instalação da Comunidade vai-se efectuando muito lentamente pelo que, só em 1897 se elege o primeiro Comité Israelita de Lisboa e uma comissão que tem em vista a edificação de uma Sinagoga em Lisboa, a actual Sinagoga “Shaarei Tikva” (Portas da Esperança), junto ao Largo do Rato.  

É com a implantação da República que por despacho de um Alvará do Governo Civil de Lisboa, de 9 de Maio de 1912, a comunidade judaica passa a ser reconhecida legalmente em Portugal.

Porém, ao longo de todo o século XX, apesar da magnitude dos seus problemas e das perseguições anti-semitas muito frequentes em todo o mundo, em Portugal vai-se consolidando a estabilidade da comunidade israelita. Durante a Guerra de 1939-45, foi notável o apoio dado pela comunidade de Lisboa aos refugiados fugidos à barbárie hitleriana que daqui partiram para uma nova vida em novos lugares, nomeadamente para os Estados Unidos e Brasil. Por essa razão, com alguma frequência, a Sinagoga Shaarei Tikva é visitada por familiares e descendentes desses refugiados que por aqui passaram com o intuito de agradecer, de alguma forma, o apoio recebido.

Neste largo período de dois séculos que medeia entre os alvores de oitocentos e a actualidade, alguns descendentes de judeus portugueses fugidos das perseguições inquisitoriais, regressaram a Portugal, aqui se instalaram e criaram novos laços familiares, intelectuais, culturais, políticos, profissionais e comerciais. No entanto, os seus antepassados tinham criado algumas comunidades de grande renome, nas terras por onde tinham passado ou estabelecido fugindo da ignomínia do Tribunal da Inquisição e dos seus sequazes, e fundado sinagogas notabilíssimas tais como a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, a Sinagoga Shearith Israel de Nova York, a Sinagoga Bevis Marks de Londres, a Sinagoga de Touro em Newport (Rhode Island – USA), a Sinagoga Portuguesa de Montreal, a Sinagoga Tzur Israel em Recife, entre outras.

Por outro lado, no primeiro quartel do século XX, Samuel Schwarz desvenda ao mundo a existência de uma comunidade judia escondida nas faldas da Serra da Estrela em Belmonte. Graças ao isolamento da vila e a uma certa cumplicidade dos seus habitantes, foi ainda possível observar que um grupo muito restrito de pessoas mantinha, em segredo, algumas tradições de um longínquo passado judeu. Este facto, para além de ter criado um pólo de referência fortíssimo para a diáspora judaica, desencadeou novas pesquisas e estimulou o espírito incansável e empreendedor de um militar, o Capitão Barros Basto (reabilitado unanimemente pela 1ª Comissão da Assembleia da República Portuguesa em 29 de Fevereiro de 2012) a criar estruturas de suporte à reabilitação de outros cripto-judeus existentes em Portugal. A Assembleia da República na sua Resolução nº 119/2012 de 10 de Agosto recomendou ao Governo que “proceda à reabilitação e reintegração no Exército do capitão de infantaria Artur Carlos Barros Basto, que foi alvo de segregação político-religiosa no ano de 1937”.

Na sequência de muitos estudos e trabalhos elaborados por alguns dos nossos mais notáveis historiadores descobrem-se, ainda no século XX, algumas outras comunidades que vivendo semi-isoladas mantém a convicção da sua ascendência judia, nomeadamente nas regiões fronteiriças da Beira interior e Trás-os-Montes.

O apogeu dos judeus sefarditas portugueses verificou-se em 1989, em Castelo de Vide, quando o então Presidente da República, Dr. Mário Soares apresentou publicamente o seu pedido de desculpas, em nome do Estado português, aos descendentes dos judeus perseguidos pela Inquisição pelos danos então causados, reabilitando assim a sua imagem e condição social.

De igual modo foi da maior importância para os judeus sefarditas ibéricos a “Sessão Evocativa dos 500 anos do Decreto de Expulsão dos Judeus de Portugal” promovida pela Assembleia da República, em Dezembro de 1996, na qual foi votada, por unanimidade, a revogação do Decreto de D. Manuel, numa sessão carregada de simbolismo e emoção. Este acto de homenagem à capacidade de resistência, perseverança, luta, fé e esperança do povo judeu, foi, também, patrocinado pelo Presidente da República, o Dr. Jorge Sampaio.

Como corolário deste percurso de reabilitação de uma imagem e uma cultura fortes quase destruídas pela Inquisição portuguesa com a conivência da coroa, faz todo o sentido promover o retorno dos descendentes dos judeus expulsos ou dos que fugiram do terror da Inquisição ao seio do seu povo e da sua nação portuguesa. Mas faz também todo o sentido que seja aos descendentes judeus de sefarditas portugueses que demonstrem objectivamente a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa possibilitada a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização.

Este é o objecto do presente Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro

O artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, e pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:


«Artigo 6.º
[…]
1- […]
2- […]
3- […]
4- […]
5- […]
6- […]
7- O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objectivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência directa ou colateral.»

Artigo 2.º
Regulamentação
O Governo procede às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º237-A/2006, de 14 de Dezembro, no prazo de 30 dias a contar da publicação da presente lei.


Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor na data de início de vigência do diploma referido no artigo anterior.




Assembleia da República, 7 de Março de 2013

Os Deputados,

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