quinta-feira, 4 de setembro de 2014

PORQUE ISRAEL?

Shlomo Ben-Ami

TELAVIVE - A última guerra de Israel em Gaza tem ecoado através das capitais da Europa dumha forma poderosa e destrutiva. Em Berlim, Londres, Paris, Roma, e noutros lugares, Israel está a ser denunciado como um "estado terrorista". Manifestantes irritados queimaram sinagogas na França e, de todos os lugares, na Alemanha, mesmo alguns cantaram "Gás para os Judeus!" O grotesco acoplamento da legítima solidariedade com a Palestina e as invectivas anti-judaicas parecem ter forjado uma forma politicamente correta de antissemitismo que, 70 anos após o Holocausto, está a levantar o espectro da Kristallnacht sobre as comunidades judaicas da Europa. 

Os israelitas esforçam-se para compreender porque 5 milhões de refugiados e 200 mil mortes na Síria significam muito menos à consciência ocidental do que os 2.000 palestinos mortos em Gaza. Nom podem entender como os manifestantes europeus podem denunciar as guerras de Israel como "genocídio", um termo que nunca foi aplicado à hecatombe síria, à obliteraçom de Grozny na Rússia, às 500 mil mortes no Iraque desde a invasom liderada polos Estados Unidos em 2003 ou os ataques aéreos norte-americanos no Afeganistám e no Paquistám.

Na verdade, a resposta é simples: definir os pecados de Israel em termos emprestados do Holocausto é o caminho correto da Europa para se livrar do seu complexo judaico. "O Holocausto", como Thomas Keneally escreveu n'A Arca de Schindler, é um "problema gentio, nom judeu". Ou, como o famoso psiquiatra Zvi Rex disse brincando: "Os Alemães nunca perdoarám os Judeus por Auschwitz." 

Nom se trata de negar que a agonia de Gaza é um desastre humanitário. Mas este nem sequer se aproxima doutras crises humanitárias das últimas décadas, incluindo as da República Democrática do Congo (RDC), Sudám, Iraque e Afeganistám. Na verdade, desde 1882, todo o conflito árabe-judeu/israelense produziu quase metade do número de vítimas que a Síria em apenas três anos. Desde 1950, o conflito árabe-israelita ocupa o 49º lugar em termos de vítimas.

Isso nom corresponde com o desprestígio global de Israel que está a abafar a crítica legítima. Quando outros países vacilarem, as suas políticas som questionadas; quando o comportamento de Israel é polêmico ou problemático, o seu direito de existir coloca-se sob o fogo. Há mais resoluções das Nações Unidas dedicadas às violações dos direitos humanos cometidos por Israel do que a abusos por parte de todos os outros países juntos.

As histórias sobre Israel focam-se quase exclusivamente no conflito palestiniano. Joyce Karam, o chefe da sucursal em Washington do jornal pan-árabe Al-Hayat, acha que isso acontece porque "muçulmanos matando muçulmanos ou árabes matando árabes parece mais aceitável do que Israel matando árabes". As vítimas sírias, líbias, iemenitas nom tem rosto; a leonizaçom das incomparavelmente menos vítimas de Gaza torna-as únicas.

Isso nom quer dizer que Israel deveria ser consolado pola aritmética macabra de derramamento de sangue. A hipocrisia de alguns dos críticos de Israel de modo algum justifica a sua invasom colonial no espaço palestiniano, o que faz com que seja o último país desenvolvido, "ocidental", a ocupar e maltratar um povo nom-ocidental. A maioria dos conflitos de hoje -na Colômbia, Somália, República Democrática do Congo, Sudám, e agora até mesmo no Iraque e o Afeganistám- som internos. Mesmo umha grande potência como a Rússia enfrenta sanções punitivas por se recusar a pôr termo à sua ocupaçom dumha terra estrangeira.

O confronto de Israel com a Palestina representa um drama particularmente atraente para o Ocidente. A história de Israel estende-se muito além do conflito atual, para recontar umha simbiose extraordinária entre a herança judaica e a civilizaçom europeia que terminou em calamidade. Desde o seu nascimento, Israel tem suportado as cicatrizes do maior crime já cometido em solo europeu. A situaçom dos palestinianos -as vítimas de triunfo do sionismo- toca outro ponto nevrálgico na mente européia.

No entanto, a tragédia Israel-Palestina é única. É umha absorvente odisseia de duas nações com reivindicações mutuamente exclusivas sobre terras sagradas e santuários religiosos que som fundamentais na vida de milhões de pessoas em todo o mundo.

É também umha guerra de imagens conflitantes, em que ambas as partes reivindicam o monopólio da justiça e do martírio. A perseguição aos Judeus, e o jeito em que o sionismo o utilizou, tornou-se num modelo para o nacionalismo palestiniano. Palavras como "exílio", "diáspora", "Holocausto", "retorno" e "genocídio" som agora um componente indissociável do ethos nacional palestiniano.


É importante notar que o Holocausto nom dá a Israel a imunidade de crítica, e nem todos os ataques às políticas de Israel podem ser descartados como antissemitismo. O Israel do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu é justamente percebido como um estado de status quo que aspira a ter tudo: controlo continuado dos territórios palestinianos e os assentamentos, bem como "calma por calma" dos palestinianos.

Mas o controlo do Hamas dentro de Gaza é igualmente problemático. Para acabar com o seu flerte fatal com o jihadismo e promover a estabilidade, Gaza deve buscar um acordo político e económico com Israel que reprima a tentaçom da guerra. Assim como a reabilitaçom das cidades egípcias ao longo do Canal de Suez em consequência da Guerra do Yom Kippur de 1973 abriu o caminho para umha paz israelo-egípcia, umha próspera Gaza serviria os interesses de todas as partes envolvidas -começando com Israel.

Shlomo Ben-Ami, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, é Vice-presidente do Centro Internacional de Toledo para a Paz. É autor de "Cicatrizes de Guerra", "Feridas de Paz: a Tragédia Árabe-Israelita".

Texto tirado de PROJECT SYNDICATE, traduzido para o galego-português por CAEIRO.

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