terça-feira, 23 de abril de 2013

O ÓDIO É UM ESPELHO

Dossier sobre as simpatias do nazismo internacional com Beiras e BNG por terem-se negado a condenar o Holocausto* (primeira postagem)


João Guisan Seixas, escritor

Se o mundo hoje é como é, e não um lugar muito pior, não é graças a nenhum revolucionário iluminado, mas ao empenho pessoal e à lucidez mental de um político conservador chamado Wiston Churchill. Foi o mesmo que, derrotado nas primeiras eleições logo após ter ganho a guerra, em vez de dizer "que ingratos!", disse que tinha lutado todos aqueles anos precisamente para que uma coisa assim pudesse acontecer.

Churchill disse muitas frases na sua vida. Bom, nisso não foi muito original. As frases é que o eram. Há de facto uma frase de Churchill para cada ocasião, mesmo para as mais triviais. Também para esta, que o não é. A que melhor a ilustra não é, porém, das mais brilhantes, mas, mesmo assim, arroja muita luz sobre este assunto.

Quando Hitler atacou a URSS, Churchill não duvidou em apoiar Estaline, mesmo apesar de este ter pactuado anos atrás com Hitler para que ele pudesse atacar comodamente a Grã-Bretanha. Sendo um político conservador, muitos correligionários lhe censuraram uma actuação que ajudava a consolidar o poder comunista, mas Churchill respondeu-lhes: "Se Hitler tivesse decidido invadir o inferno, eu aliava-me com o diabo". 

Foi graças a essa lucidez que o mundo ocidental tem gozado, de 1945 até hoje, do maior regime de liberdades, de bem-estar económico e do mais longo período de paz que nenhuma sociedade humana nunca gozou, pelo menos de que haja registo histórico.

A vida não é um jogo de bons e maus, como muitas das últimas tendências de infantilização política nos querem fazer ver. Eu penso que podemos dizer que somos maduros quando entendemos que o dilema é quase sempre entre aceitáveis e péssimos, e mesmo muitas vezes entre maus e piores.

Todos temos que escolher alguma vez entre o diabo e alguém que é pior do que o diabo. A prova máxima de lucidez é saber fazer essa escolha. Saber quem é o diabo com que a gente se pode chagar a aliar, e quem aquele pior do que o diabo, com que nunca se pode pactuar.

Xosé Manuel Beiras, pela sua actuação, parece que já fez a sua escolha. Parafraseando Churchill: se Israel inventasse uma máquina do tempo e resolvesse atacar a Alemanha nazi, ele aliava-se com Hitler. 

No dia 14 de Março começou a circular na Internet uma fotomontagem em que dois vultos do negacionismo (= conjunto daqueles que negam a existência, ou importância, do Holocausto) actual, o islamista Ahmadinejad e o neofascista Jean Marie Le Pen, sentam ao lado de Beiras e Jorquera, na mesma bancada da câmara autonómica. Dias atrás estes últimos tinham impedido finalmente que o Parlamento Galego aprovasse nesta ocasião a Declaração Institucional em memória das vítimas do Holocausto que vinha sendo aprovada de forma unânime nestes últimos anos no Dia Internacional instituído pela ONU a este fim.

Na imagem, Ahmadinejad parece celebrar como uma vitória do seu anti-semitismo esta actuação, enquanto Le Pen mais bem compartilha, braço contra braço, esse certo "ar ausente" do Beiras:


Alguém poderá achar exagerada, e mesmo injusta, esta imagem, mas é realmente uma forma de pôr as coisas, e as pessoas, no lugar em que merecem. Se Ahmadinejad e Le Pen fizessem parte do Parlamento Galego, teriam votado exactamente como eles, teriam pronunciado as mesmas palavras e teriam buscado a mesma justificação: a memória das vítimas do Holocausto nazi é "propaganda israelita". Se, neste assunto, no mundo das ideias se encontram ao lado uns de outros, a montagem o único que propõe é fazer o mesmo no mundo físico, e visualizar esse encontro.

Não sei se será preciso esclarecer que na proposta de Declaração (redigida por um sobrevivente do Holocausto, Jaime Vandor)  não se fazia referência nenhuma a Israel, mas fazia-se, sim, uma referência aos cerca de 4.000 galegos que também morreram nos campos de extermínio.

Mas, mesmo que se tivesse feito a primeira e não se tivesse feito a segunda, quem (e sobretudo, por quê) pode negar-se a assinar uma declaração de condena ao assassínio de seis milhões de pessoas exterminadas só pelo delito de serem filhos dos seus pais ou mesmo (segundo as leis racistas de Nuremberga) netos dos seus avós?

Por muito que já se tivessem feito declarações parecidas nos anos anteriores, era pôr apenas uma assinatura, pulsar num botão ou dizer "sim". Não era preciso carregar um saco de cimento nem levantar uma pedra, nem sequer mover-se do assento. Ainda que isso pudesse ser utilizado para a propaganda política do Estado de Israel (estou a ver Netanyahu diante da assembleia geral das Nações Unidas a inchar o peito: "Eh, que no Parlamento Galego aprovaram uma Declaração a dizer que não é legítimo exterminar judeus!"), e ainda que o Estado de Israel fosse o diabo, não deveria ser, para todo o democrata, o nazismo uma coisa bastante pior do que esse diabo?

Parece claro que, para Beiras e o BNG, não. Pode que para eles o nazismo seja o diabo, mas o que para eles de certeza ocupa o lugar de aquilo pior do que o próprio diabo é Israel, e antes de servir para a sua "mais-que-infernal" propaganda, acham melhor servir para a "apenas-infernal" propaganda nazi. Parece que o líder de AGE (ou talvez apenas de si próprio) prefere que o seu cotovelo se roce amigavelmente com o de Le Pen, antes que o seu dedo se mova uns centímetros para votar afirmativamente a condena do genocídio do povo judeu.

Insisto no papel de Beiras, porque nos anos anteriores o BNG tinha apoiado declarações similares, e se neste ano não apoiou penso que a única variável que coincide com esta mudança, e a explica, é a irrupção de AGE "no mercado eleitoral". Se neste ano o BNG não apoiou o que tinha apoiado nos anos anteriores não foi senão para não ficar diminuído, na sua "cota eleitoral de radicalismo", a respeito desta nova concorrência. E insisto, aliás, em colocar Beiras à frente da iniciativa, porque o ódio a Israel tem sido uma das teimas pessoais dele, e mesmo aquele que exibe o BNG não deixa de ser, em boa medida, uma consequência da passagem de Beiras pelas suas estruturas, pois me consta que, embora não ousem reconhecê-lo publicamente, há vozes discordantes dentro dessa formação a respeito da linha seguida neste assunto. Também na AGE, mas duvido que a AGE seja politicamente outra coisa que uma marca comercial de Beiras, e não se pode falar apropriadamente de militantes, mas de acompanhantes.

Que aquela fotomontagem não era nem exagerada nem injusta, e que mesmo tinha ficado curta (pois podiam ter-se sentado nesses lugares pessoas ainda menos recomendáveis, como vamos ver) o tempo encarregou-se de o demonstrar e de pôr as coisas no seu lugar. No caso de Beiras e Jorquera, ao lado de Le Pen e Ahmadinejad (pelo menos).  

*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.

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