quarta-feira, 24 de abril de 2013

A VIAGEM DO BOICOTE DE BEIRAS E BNG

Esta postagem (a terceira) faz parte do dossier intitulado "O ódio é um espelho" sobre as simpatias do nazismo internacional com Beiras e BNG por terem-se negado a condenar o Holocausto*



João Guisan Seixas, escritor



Mas o aplauso da ultra-direita internacional à negativa de Beiras e BNG a condenar o Holocausto, viaja ainda mais longe. Tão longe que vamos ter que fazer a viagem em três etapas. Às vezes o dado mais importante de uma informação reside antes no caminho que segue do que no próprio conteúdo.

Primeira etapa 

O ponto de partida da primeira etapa não sabemos muito bem se colocá-lo no Irão, na Palestina, na Argélia e na França. Na sua página pessoal, alguém que assina "Mounadil al Djazaïri" ("O Combatente Argelino"), que aparece também como colaborador da rádio iraniana em francês ("Iran French Radio", onde o responsável da seguinte etapa, Alain Soral, aparece também frequentemente entrevistado e citado) e que podemos colocar, com uma simples pesquisa na net, em relação com diferentes grupos de apoio a Gaza e aos prisioneiros de Guantánamo,  publica uma nota intitulada "AComunidade autónoma da Galiza (Espanha) diz não ao lobby sionista!


O título só é já todo um exemplo de "objectividade informativa", pois iguala 15% do eleitorado (percentagem de votantes de Beiras e BNG) com 100% dos cidadãos. É um exemplo óptimo para que possamos comprovar, em primeira mão, diante de uma situação objectiva que conhecemos, qual a fiabilidade das fontes pró-palestinianas. Como se vê, é sempre necessário dividir por 10, no mínimo, a informação recebida para obtermos alguma aproximação da realidade.

A nota em si limita-se a traduzir para francês uma informação de El Mundo dando conta do bloqueio de Beiras e BNG à declaração contra o Holocausto judeu, precedido de alguns esclarecimentos acerca do que é a Galiza (que, num estudo "em profundidade", se identifica como a terra de origem de Julio Iglesias, Raul Alfonsín, Franco "le caudillo" e Fidel Castro) e de quem são AGE e BNG (que são definidos como partidos "da esquerda terceiro-mundista e pró-palestiniana, da esquerda à Hugo Chávez, vamos!")

Já sei que o assunto deste dossier são as páginas de ultra-direita, e que alguém julgará que, por ser árabe, esta aqui vai estar livre automaticamente dessa suspeita. Talvez não baste dizer que nela se reciclam todos os tópicos nazis sobre os judeus (embora aplicados aos "sionistas), que se dão sistematicamente informações de actos de agressão anti-semita tentando relativizá-los ou desacreditar as vítimas, que se propalam impunemente todos os boatos anti-semitas, que se chega a dizer que Eichmann era muito amigo dos judeus e que o próprio Hitler era judeu. Talvez não chegue dizer que todos os recursos que ele utiliza vão aparecer repetidos mais para a frente em páginas que vamos descobrir que pertencem, em última instância, ao Ku Klux Klan. Sendo uma página árabe e pró-palestiniana, para muitos tem vénia para o fazer.

A prova definitiva se calhar terá de ser como assumem literalmente as suas palavras e o seu ponto de vista algumas outras publicações de carácter inequivocamente fascista.  

Segunda etapa


O texto, por exemplo, é reproduzido literalmente (segunda etapa da viagem) no site "Égalité & Réconciliation" ("Igualdade e Reconciliação") 

Com esse nome pode parecer uma associação benéfica quase. Trata-se, porém, da denominação de um movimento que pretende reunir o melhor da esquerda e da direita ("A esquerda do trabalho e a Direita dos valores", segundo reza o seu slogan). Bom, na verdade o site é mais a página pessoal do seu fundador, Alain Soral, uma personagem "singular" da política francesa que já militou no Partido Comunista Francês e no Front National de Le Pen (onde chegaria a ser cabeça de lista nas eleições europeias) antes de tentar esta síntese.


Coisa que não deve estranhar, porque a profunda "filosofia política" de Soral parte da convicção de que há uma conspiração capitalista-maçónico-buguesa-protestante-sionista-americana para feminizar a sociedade, e ela precisa de ser masculinizada. Precisa de uma direita e uma esquerda viris e bem musculadas. Na faixa superior da página aparece de facto um friso de grandes "machos" anti-americanos, anti-sionistas e anti-etc.: Fidel Castro, Gadafi, Chávez e Ahmadinejad, entre outros. 


Também não deve estranhar que este site ultra (segundo ele, ao mesmo tempo ultra-esquerdista e ultra-direitista) assuma directamente o ponto de vista de um meio árabe. Durante a sua estada no Front National, Alain Soral teve o empenho de tentar atrair os jovens radicais árabes da Banlieue (fonte inesgotável de testosterona), numa tentativa de compatibilizar o islamismo radical e o ultra-nacionalismo fascista do partido. Empenho meritório, porquanto o partido de Le Pen se caracteriza precisamente pela sua xenofobia anti-árabe, mas enfim, a esquizofrenia ideológica é uma das características, como dissemos, de todos estes grupos.

Assim, um texto que, sendo escrito por um árabe pro-palestiniano teria sido considerado sem mais "progressista" por muitos, acontece que calha às mil maravilhas nos moldes de um site de ultra-direita como o de Alain Soral, que reproduz sem mais o texto de "Mounadil al Djazaïri", limitando-se a acrescentar simplesmente, no título, um pequeno texto em que saúda a notícia do boicote: "Uma nota de esperança. A comunidade autónoma da Galiza diz não ao lobby sionista".

Terceira etapa


E daí saltamos (na terceira etapa da viagem) directamente para as estepes de Ásia Central. Porque a "nota de esperança" de Soral aparece, por sua vez, reproduzida literalmente nesta outra página escrita também em francês, mas que ecoa aplausos mais longínquos: 

Trata-se de blog com um título de referências bastante claras "Eurempire" (Euro-império).

Este site está presidido por uma águia bicéfala, símbolo do Império Czarista, adoptada também pelo Império Prussiano criado por Bismarck, tomada por sua vez do escudo de armas do Sacro Império Romano-Germânico, inspiração também do escudo dos Áustrias nos não menos imperiais tempos de Carlos V e Filipe I de Espanha, e que vem, em última instância, do símbolo do Império Romano (na altura do "Império Dual", daí as duas cabeças) que continuou durante muitos séculos a ser o do Império Bizantino. Não estranha portanto que o lema da página seja "Refundar Europa como Império".

Na verdade é que, se não fosse por tão imperiais referências, voltaríamos a ter dúvidas de se se trata de uma página de extrema esquerda ou de extrema direita, tanto se parecem as retóricas anti-israelitas e o mundo de referências míticas de uma e de outra. Por exemplo, um dos artigos que aparecem na coluna à direita, "Como foi Inventado o Povo Judeu", reproduz argumentos pseudo-históricos e anti-semitas, que se podem encontrar repetidos literalmente na boca de "alter-mundistas com pedigree" como Michel Collon, cujo veneno anti-semita é considerado dogma de fé histórico por todos os progressistas bem intencionados e pior informados. 

Além das constantes referências a Russia Today e outros meios oficiais russos como únicas fontes confiáveis de informação, uma pista pode fornecer-no-la o nome do autor, Friedrich von Dietersdorf, que procurando noutras páginas, descobrimos que se trata na verdade de um alter-ego de Alexander Dugin, nem mais nem menos que o ideólogo privado de Putin. Não por acaso o velho escudo imperial com que Dugin-Dietersdorf, águia de duas cabeças, pretende identificar-se, foi adoptado como o da Federação Russa depois da crise institucional de 93 que inaugurou um regime presidencialista de corte neo-imperialista. Afinal esta pesquisa na política doméstica revela algumas coisas importantes da internacional.

Dugin é um delirante líder carismático, preconizador da ideia da Eurásia, império que abrangeria o conjunto de Europa e Ásia e cujo epicentro seria "logicamente" a Rússia. Um ultra-nacionalista russo, que mistura ideias místicas e esotéricas com um ideal de supremacia russa. Podíamos dizer que é "O Rasputin de Putin", e ele mesmo cultiva um certo parecido com aquele monge lunático, ainda que só consiga parecer-se mais com Carlos Taibo. Do parecido físico Carlos Taibo não tem culpa, também podia ter-se parecido comigo. Mas os parecidos ideológicos deveriam começar a preocupar. Dugin é filo-islamista, amigo dos aiatolás do Irão e  habitual conferencista naquele país. Fala contra a globalização com toda a indignação de um indignado. Admira Hugo Chávez e odeia tudo quanto cheira a EUA e a Israel. Um perfeito esquerdista.... se não fosse que é um ultra-direitista.

As frechas amarelas atravessadas que aparecem atrás dele, numa foto tirada de The Green Star é um site de propaganda de "New Resistence" a quinta coluna americana de Dugin, são o símbolo da Eurásia, o império destinado a salvar a humanidade do imperialismo americano e sionista.

Se somarmos o símbolo da águia com o das frechas amarelas atravessadas, obtemos nem mais nem menos que o brasão da Prússia como província do III Reich, directamente inspirado no do Império, só que a águia tem perdido uma cabeça (para Hitler mesmo uma só resultava excessiva, quanto duas!) e em lugar da cruz, assegura na garra esquerda uma feixe de setas, que a todos nos lembrará, e com razão, o símbolo da Falange Espanhola, e que também foi utilizado pelo Partido da Cruz-Flechada, que sustinha, na Hungria da II Guerra Mundial, o governo fantoche da Alemanha nazi que controlava então o país.

Não é uma caprichosa associação de imagens cuja semelhança pudera ter-se devido ao mero acaso. Estando proibidos os símbolos nazis na maior parte dos países civilizados, os grupos ultras, para conseguirem ser facilmente identificados, têm que acudir à simbologia menor, derivada, indirecta, associada ou próxima do nazismo. Às vezes à mera concomitância gráfica: desenhos lineares, ângulos marcados, padrões repetitivos, fortes contrastes cromáticos, fundos escuros com o intuito de uma certa sobriedade tétrica, etc. Se possível aproveitando algum motivo local associado, para disfarçar, como víamos no caso de Aurora Dourada. Há uma "estética" nazi, que se utiliza como código "difuso" para se dizer quem se é, sem ser um quem o diga.

Todos esses procedimentos aparecem utilizados no símbolo de Dugin. Existe de facto um rascunho de 1920, da mão do próprio Hitler, em que aparece, entre os vários símbolos que andava a considerar para o seu movimento, um muito parecido com o do euro-asiático.


Todos esses desenhos giram à volta de uma pretensa simbologia solar de raiz "indo-europeia" (o mito nazi da unidade racial "indo-europeia" está na base da ideia da "Eurásia") que não pode resultar alheia ao mundo ideológico de Dugin, que compartilha também com Hitler, além da psicopatia, as suas crendices esotéricas (são duas coisas que costumam ir unidas).

A coincidência gráfica patenteia, portanto, umas coincidências muito mais profundas. Alexander Dugin é um reconhecido anti-semita e neofascista, fundador do "Partido Nacional Bolchevique", tradução russa do "Partido Nacional Socialista" alemão, embora ele ao mesmo tempo diga odiar os nazis. Coisa que acontece precisamente porque ele gostava de o ser mas não pode por causa do seu patriotismo russo que o impede de perdoar que os alemães tivessem invadido o seu país. Podemos dizer que é justamente o contrário do que se deve ser. É ao mesmo tempo pró-nazi e anti-alemão. Mas tudo isso é perfeitamente lógico dentro da lógica esquizofrénica que caracteriza estas ideologias. E quando falo em "lógica esquizofrénica destas ideologias", outra vez  não sei se estou a pensar realmente nas de ultra-direita ou nas de ultra-esquerda.

Com o aplauso de Dugin, os ecos do boicote de Beiras e o BNG ao Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, chegam já portanto até à Vladivostoque. 

*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.

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